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Foto do escritorGeorges Humbert

A Reserva Legal se aplica em área urbana?

Atualizado: 9 de dez.

Muitas vezes, empreendimentos em áreas antropizadas, até mesmo industriais, urbanizadas ou em expansão urbana, tem suas vocações constitucionais, legais e planejadas, limitadas pela existência de reserva legal, gravadas por registro na matrícula do imóvel.


A questão é: tal qual nas áreas rurais, a Reserva Legal se aplica em área urbana, em caráter perpétuo e irrevogável?


O que é Reserva Legal?

Segundo o Código Florestal, a Reserva Legal é uma área de vegetação nativa dentro de um imóvel rural destinada à preservação da fauna e flora local, ou seja, uma área localizada no interior de uma propriedade rural com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.


Para a melhor compreensão do tema, de rigor o esclarecimento, da premissa básica constitucional, fundamento de toda e qualquer solução jurídica da matéria.


Neste passo, resume-se tese de nossa autoria, publicada em livro de 2013, cuja segunda edição saiu em 2024 (HUMBERT, Georges Louis Hage, e outro. Função social da cidade: conteúdo constitucional e legal. Rio de Janeiro: GZ, 2024).


De início porque, quando se refere à cidade e a área urbana, a Constituição, em rigor, dirige-se aos comportamentos e relações inerentes às áreas urbanas, diferenciando-se de quando aponta para aquele ínsito às áreas rurais.



Esta observação é de suma importância, pois é a partir dela que se assegura a igualdade direito fundamental e princípio da administração pública, justamente porque se estabelece os regimes jurídicos diferenciados, na exata medida de suas desigualdades aos quais estarão submetidas determinadas propriedades.

A política urbana e rural conforme a vocação da área

Ademais, é essa a premissa que norteia qual a política - se urbana ou rural - se deve praticar em determinada área do Município, pelo que deverá, sempre, levar em consideração a vocação da área, suas reais necessidades, enfim, os seus fins precípuos, sem olvidar a ordenação planejada, melhor instrumento para compatibilizar a evolução e transformações inerentes à própria natureza do homem e seus reflexos no usar, gozar e dispor das propriedades.


Com sinergia aos arts. 5, 23, 24 e 30, o art. 182 da Constituição da República, ao tratar da política urbana, preceitua a ordenação do pleno desenvolvimento de funções sociais da cidade, não do campo, para a garantia do bem-estar de seus habitantes, enquanto moradores de uma área urbana ou de expansão urbana. Não é mera recomendação.


É dever do Poder Público, em todas as esferas, implantar a política urbana com vistas à consecução de funções sociais da cidade e do bem-estar dos cidadãos. Aqui, o plano diretor assume importante papel, vez que eleito instrumento básico da política urbana.


Basta verificar que o parágrafo segundo do artigo em comento predispõe que a propriedade urbana cumpre a sua função social quando satisfaz as exigências, as diretrizes e disposições expressas no plano diretor, elevando-o ao status de instrumento básico de ordenação e gestão dos espaços urbanos.



Porém, isto não significa limitar o conteúdo do princípio da função social da propriedade urbana ao quanto disposto no plano diretor. Mesmo porque, se estar diante de um direito fundamental, diretamente operativo, de aplicabilidade imediata (art. 5º da CF).


Vale ressaltar que estes dados da realidade, de tamanha relevância para a relação ordenada e pacífica da sociedade, foram tratados pela ordem jurídica, a partir da Constituição, sob a rubrica da política urbana e política agrária, nos termos do art. 182 e 183, que se aplica à área urbana, e dos arts. 184 e seguintes, com espeque nas áreas rurais.


Analisando a celeuma, elucida José Afonso da Silva, um dos maiores constitucionalista do país:


"Em Verdade, uma coisa é a propriedade pública, outra a propriedade social, e outra a propriedade privada; uma coisa é a propriedade agrícola, outra a industrial; uma propriedade rural, outra a urbana; uma propriedade de bens de consumo, outra a de bens de produção; uma propriedade de uso pessoal, outra a propriedade/capital."

Pois, como alertou Pugliatti há bastante tempo:

'No estado das concepções atuais e dadisciplina positiva do instituto, não se pode falar de um só tipo, mas se deve falar em tipos diversos de propriedade, cada um dos quais assume um aspecto característico'. Cada qual deste tipos pode estar sujeito - e por regra estará - a uma disciplina particular, especialmente porque, em relação a eles, o princípio da função social atua diversamente, tendo em vista a destinação do bem objeto dapropriedade."

Por isso, reputa-se inconstitucional a disposição do Código Florestal (lei 12.651/12) a qual determina a incidência das mesmas regras florestais - como as atinentes às áreas de preservação permanente e reserva legal - para as áreas urbanas e rurais, quando se sabe que a realidade é diversa, sujeita a regime jurídico e ordenada por instrumentos próprios - no caso das cidades, o fundamental é o plano diretor de desenvolvimento urbano.


Interpretação diversa é violar as funções sociais da cidade, e todo o regime jurídico que norteia as áreas e política urbana, bem como afrontar a igualdade, enquanto direito fundamental, pois dará tratamento igual a indivíduos em situação desigual, isto é, o que mora em zona urbana e rural, cujas necessidades, realidades, demandas sociais, econômicas e ambientais são distintas e peculiares.


O próprio STF já reconheceu isso, ao afirmar:


"Mais ainda, o novo Código Florestal, também de forma explícita, determina que essa área de preservação permanente se aplica, mesmo em áreas urbanas, e que a legislação municipal deve respeitar os limites por ele estabelecidos. Determina ainda, o novo Código Florestal, que essas mesmas áreas urbanas são destinadas ao reflorestamento, devendo esse ônus ser satisfeito pelos proprietários das terras assim qualificadas. (.). Na verdade, dentro do paradigma cooperativo de federalismo que ora se defende no Brasil, propõe-se que os Municípios, como entes mais próximos à população, tenham papel de destaque na administração municipal para impedir as ocupações e gerir o planejamento urbano. 'In casu', é incontestável a conduta omissiva do Município de João Pessoa na fiscalização das construções irregulares empreendidas em área de preservação permanente, localizadas no Bairro do Ipês/PB, causadoras de degradação do meio ambiente e, consequentemente, da 'sadia qualidade de vida' à qual serefere o caput do art. 225 da CF". (STF. RE 761.680-PB. Rel. Min. Cármen Lúcia. Julgamento em 27.08.2013. Publicadoem DJe. 03.09.2013).

Ademais, quando prevalecia o Código Florestal para tratar de APP urbana, havia ofende o devido processo, em sentido substantivo, pois não é razoável criar APP, de modo uniforme, para todo território nacional e cada uma específica realidade urbana, nos milhares de municípios, pequenos, médios e grandes, nas metrópoles, regiões metropolitanas e mesmo condurbações.


Distinção entre Área Urbana e Rural

No mesmo sentido, não é adequado e útil se valer da técnica da APP para fins de proteção destes espaços ambientalmente relevante, tanto que, basta um simples olhar para as margens dos grandes rios urbanos, para verificar que nenhum destes, no Brasil - e mesmo no mundo - atende, e nem conseguiria na prática atender - aos limites de área de preservação permanente impostos pelo Código Florestal do Brasil em vigor.


Tudo isso base na distinção entre área urbana e rural, no conteúdo jurídico do princípio da função social da cidade, inserido no art. 182 da Constituição, no direito individual a igualdade, portanto de ter tratamento jurídico diferenciado para situações desiguais, aliado ao devido processo legal, em sentido substantivo, que requer das leis e atos jurídicos concretos medidas razoáveis, necessárias e adequadas aos fins que se pretende, no caso a proteção de verdade do meio ambiente, e não a maior ou mais restritiva, respeitadas as peculiaridades que são da essência dos espaços urbanos.



Aplicam-se, assim, as normas do art. 30 e 182 da Constituição, as Leis Federais de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano e o Estatuto das Cidades, bem como o PDDU.


Estabelecida essa premissa doutrinária, constitucional, legal e de jurisprudência do STF e STJ, cumpre esclarecer que o Código Florestal determina, expressamente, em seu artigo 19, que a reserva legal deve permanecer nessas hipóteses.


Alteração da Reserva Legal em Áreas Urbanas

Mas abre exceção, a que o INEMA deve observar. Isto porque, a Reserva Legal em área que se tornou urbana ou de expansão urbana pode ser modificada de local ou será extinta quando o município fizer uma reanálise estrutural da matéria, com o registro do parcelamento do solo para fins urbanos, aprovado segundo a legislação específica e consoante as diretrizes do plano diretor.


Com efeito, a Reserva Legal é um instituto jurídico previsto no art. 3º, III, do Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) destinado a “assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”. Isto se aplica à zona rural, não à urbana.


Política urbana e função social da propriedade

Frise-se que o art. 182 da Constituição, trata da Política Urbana, diferentemente do 186, que rege as áreas rurais tem funções sociais da propriedade e da cidade diferentes.


Com efeito, as áreas urbanas e, em especial, as de expansão urbana são progressivas conforme os municípios vão crescendo. Perímetros que antigamente eram propriedades rurais tornaram-se zonas de expansão urbanas ou urbanas com a atualização de planos diretores e leis de uso e ocupação do solo, para comportar o avanço da população.


Hoje, cerca de 90% da polulação vive nestas áreas, que, também por isso, não podem ter as mesmas condições e instrumentos de uso, ocupação e preservação, pena de faltar espaço para pessoas, equipamentos públicos, moradia, logística, infra, saúde e transporte, por exemplo.


Note-se que considera-se o Brasil um país urbanizado, uma vez que uma parcela maior do que a metade dos seus habitantes vive na zona urbana, de acordo com o IBGE. Contudo, as áreas consideradas urbanas no Brasil representam menos de 1% do território nacional (0,63%) e concentram 160 milhões de pessoas população.


Inconstitucionalidade da Reserva Legal em áreas urbanas

Por isto, além de inconstitucional e ilegal impot reserva legal em área que virou urbana, conforme leis, estudos e planos, deixou de ter função da terra, mas função social da cidade e da propriedade urbana, também é sem lógica impedir a sua ocupação e uso com base na Reserva Legal rural, pois que menos de 1% do território é urbano, sendo impossível, de qualquer ótica, impedir a execução de projeto sob o argumento de que incide em reserva legal urbana.



Assim sendo, deixando o imóvel de ser rural, exigir a manutenção da Reserva Legal perde o sentido, posto que há alteração do regime de uso do solo, e por conseguinte do uso da propriedade.


Cite-se, para espancar qualquer dúvida, o art. 19 da lei florestal prevê a extinção da obrigação de manutenção da área de Reserva Legal, concomitante ao registro do parcelamento do solo para fins urbanos aprovado segundo legislação específica e consoante as diretrizes do plano diretor de que trata o §1º do art. 182 da Constituição Federal.


Por outro lado, observa-se que o Código Florestal também prevê que o poder público municipal pode contar com a transformação de Reservas Legais para o estabelecimento de áreas verdes urbanas (art. 25, II, Lei n. 12.651/2012).


Dito isso, sabe-se que a legislação urbanística poderá impor aos empreendedores a obrigação de preservar áreas verdes existentes em seus terrenos, ou mesmo impor a formação, neles, dessas áreas, ainda que permaneçam com sua destinação ao uso dos próprios proprietários.


De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a mera inserção do imóvel rural em perímetro urbano mediante lei municipal não desobriga o proprietário ou posseiro da manter a área de reserva legal obrigatória.


Mesmo que isso tenha ocorrido ainda na vigência do anterior Código Florestal de 1965, que nada dispunha sobre a hipótese. Contudo, a corte estabeleceu que lei municipal, fundada em critérios técnicos, no impacto local e na nova função social da propriedade convertida de rural em urbana, pode autorizar a extinção da reserva legal e a aplicação do conceito jurídico e técnico de área verde, previsto pelo Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano.


Portanto, no caso concreto, será sempre necessário verificar o PDDU e demais normas municipais, para se aplicar ou não a reserva legal em área urbana, razão pela qual, ao contrário das áreas rurais, nem sempre vais se exigir a manutenção de tal espaço especialmente - típicos das áreas rurais - nas áreas urbanas.


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