Prescrição administrativa ambiental no Estado da Bahia
Georges Humbert, advogado, professor, cursou e foi aprovado em pós-doutoramento na Universidade de Coimbra – Portugal, doutor e mestre em direito do estado pela PUC—SP e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade - IBRADES
A prescrição é um instrumento para promover o direito fundamental à segurança jurídica, inerentes às garantias constitucionais ao razoável duração do processo, contraditório e ampla defesa. Está presente em todo estado democrático de direito e, no processo administrativo ambiental, é direito do administrado de fulminar a pretensão punitiva pelo transcurso do tempo associado à inércia e ineficiência estatal, que violam os princípios do direito administrativo e podem gerar dano ao erário ou enriquecimento sem causa do poder público, em razão de sua própria torpeza – lentidão.
É, de tal modo relevante, que se trata de matéria de ordem pública, podendo ser alegada em qualquer momento do processo, bem como decretada de oficio pelo órgão julgador.
Portanto, a prescrição é matéria de mérito que implica na perda do e direito processual por aquele que, por inércia, não o exerce tempestivamente. Trata-se de garantia fundamental à segurança jurídica, fundada na razoável duração do processo, que não pode se perpetuar no tempo.
Pela legislação federal e diversas normas estaduais, a prescrição pode incidir de forma intercorrente, isto é, quando o processo fica parado por três anos, ou a prescrição punitiva propriamente dita, que, em regra, é quinquenal.
No âmbito federal, aplica-se a prescrição intercorrente e a clássica comum.
A Lei 9.873/1999 estabelece da seguinte forma o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta:
Art. 1°. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§ 1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
Igualmente, a Lei 9.784/1999, a qual regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Por sua vez, o Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ambientais e estabelece o processo administrativo ambiental federal, também dispõe especificamente sobre o assunto:
Art. 21. Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado.
§ 1o Considera-se iniciada a ação de apuração de infração ambiental pela administração com a lavratura do auto de infração.
§ 2o Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação.
§ 3o Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição de que trata o caput reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
A Administração Pública deve praticar atos necessários para impulsionar o processo, para que seja alcançado o resultado útil do mesmo em tempo hábil, sem que ocorra a caracterização da prescrição, incidindo no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
A prescrição intercorrente é tratada tanto pela Lei Federal nº. 9.873/99, como pelo Decreto Federal nº. 6.514/08, no âmbito federal, bem como no art. 109 e 108, §3°, da Lei Estadual nº. 109/11 e tem como finalidade principal coibir a inércia dos órgãos públicos, responsáveis pela prática dos atos administrativos no curso do processo.
Ora, pela Lei Estadual Lei nº. 12209/11, em seu Art. 4º, é direito do administrado ao postular no processo administrativo, sem prejuízo de outros que lhe forem assegurados, obter decisão final motivada, com observância dos prazos fixados em lei, sobre requerimentos ou denúncias formuladas.
Tratando-se do processo administrativo ambiental, a prescrição pode ser de duas formas, a prescrição propriamente dita, aquela, no máximo, que se consuma no prazo de 5 (cinco) anos, bem como a prescrição intercorrente, a qual se opera no prazo máximo de 3 (três) anos.
A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no dia 22 de outubro de 2014, decidiu, por unanimidade, manter a decisão de primeiro grau que havia declarado nula as penalidades aplicadas por Auto de Infração em razão da prescrição intercorrente.
Sabe-se que a Lei Federal nº. 9.873/1999 prevê no seu art. 1º, §1º, que haverá prescrição intercorrente caso o processo administrativo permaneça por mais de 03 (três) anos parado, ou seja, a inércia do órgão julgador acarreta na perda do direito do Estado de aplicar a sanção administrativa.
Ou seja, a prescrição intercorrente nada mais é que a imposição de um limite de tempo para que o órgão julgador dê movimentação ao processo, seja por despacho ou por uma decisão, dentro do âmbito administrativo. Ao impor um limite temporal para que o processo tenha andamento, pretendeu o legislador evitar que as demandas se arrastassem por tempo indeterminado, tornando o processo o mais célere possível. Porém, é flagrante na esfera ambiental a incapacidade dos órgãos responsáveis de julgarem os processos administrativos dentro do prazo previsto em Lei. Foi o que ocorreu no caso em tela.
O processo administrativo não pode ficar“parado”, em razão exclusivamente da inércia desta entidade estatal. Diante desse cenário, já decidiram e pacificaram os tribunais judiciais, inclusive de contas, em reconhecer a prescrição intercorrente de 03 (três) anos e consequentemente declarar nulo para fins punitivos o auto de infração lavrado, pois que, que para que seja considerado válido o processo administrativo que culmina na exigibilidade de multa, devem ser observados os lapsos temporais previstos em lei.
Significa dizer que o judiciário não é condizente com a habitual inércia dos entes públicos responsáveis por julgar os processos administrativos, reconhecendo a nulidade das multas aplicadas seja pela prescrição punitiva de cinco anos ou pela prescrição intercorrente de 03 (três) anos.
E mais: a Lei nº. 10.431/06, da Política Estadual do Meio Ambiente, determina em seu Art. 192, que processo administrativo para apuração de infração ambiental deverá observar os seguintes prazos máximos: “III -60 (sessenta) dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data do recebimento da defesa ou recurso, conforme o caso;”
E o seu art. 263, §2º, determina que, nos casos em que o auto de infração for declarado nulo e estiver caracterizada a conduta ou atividade lesiva ao meio ambiente, deverá ser lavrado novo auto, observadas as regras relativas à prescrição. Esta regra se repete no Decreto Estadual nº. 10.024/12, art. 259.
Ou seja, não resta dúvida que o processo, o auto e sua homologação, após cinco anos do seu início, ou três anos sem movimento pelo poder público, estrãoprescritos, decaindo, sob qualquer prisma, a pretensão e o direito da administração pública.
Do prazo mais elástico e federal de 03 anos dos fatos, do prazo de três anos para a prescrição intercorrente, no âmbito da lei federal, aos prazos de 180 (cento e oitenta) dias e 60 (sessenta) dias, mais exíguos, no âmbito das leis estaduais, o processo estava prescrito, não podendo ensejar a homologação do auto de infração, após 08 (oito) anos dos fatos e 04 =anos de iniciado e paralisado o processo, por culpa exclusiva do Inema
Neste sentido a jurisprudência pacífica e remansosa dos tribunais:
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. IBAMA. AUSÊNCIA DESPACHO OU JULGAMENTO POR MAIS DE TRÊSANOS. PRESCRIÇÃO. LEI N. 9.873/99, ART. 1º, § 1º. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DESPROVIDAS. Tendo sido autuado por infração à legislação específicaem 04/06/2002, a sentença, contra a qual se volta o IBAMA, destacou que "da data da apresentação da impugnação pelo Impetrante - 20/06/2002 (fl. 36/45) à data do despacho proferido (fl. 55) - 17/08/2005, decorreram-se mais de 03 anos". O legislador, ao enunciar que "incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho", prestigia o princípio da razoável duração do processo (CF/88, art. 5º, LXXVIII).Por "despacho" ou "julgamento", há de se reputar o ato oficial que implique verdadeiro impulsionamento do processo a fim de se chegar a uma solução (decisão) final. Não faz suas vezes simples certidão ou movimentação física dentro da repartição administrativa. Não tendo havido despacho ou decisão em três anos, de rigor reconhecer-se prescrita a pretensão punitiva da Administração, conforme disposto pelo art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/99. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF1ª, AC 002551421.2009.4.01.3800/MG, rel. convocado juiz federal Evaldo de Oliveira Fernandes Filho, Quinta Turma, e-DJF1 de 20/4/2016 — sem grifos no original).
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA EM DECORRÊNCIA IRREGULARIDADE COMETIDAS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE RECONHECIDA. LEI 9.873/99. SENTENÇA REFORMADA. 1. O Auto de infração sob análise foi lavrado pela Agência Nacional de Petróleo – ANP em função de haver a empresa-autora supostamente (i) ostentado bandeira de uma distribuidora e adquirido combustível de outra e (ii) deixado de exibir quadro informativo com os dados do posto revendedor e do órgão fiscalizador, em violação aos arts. 10, VIII e 11, § 2º, da portaria ANAP 116/2000 e art. 3º, XV, da Lei 9.847/1999. 2. Importante frisar que o simples encaminhamento do procedimento administrativo para realização da instrução, por constituir mero ato de expediente que impõe a lógica procedimental, não tem, em verdade, o condão de interromper o prazo prescricional, vez que não se encaixa às hipóteses previstas no art. 2º da Lei 9.873/99. 3. Extrapolado o período de 3 (três) anos previsto no § 1º, do art. 1º, da Lei 9.873/1999 entre a data da lavratura do auto de infração (29.08.2000) e o despacho de natureza saneadora que determinou remessa de sua cópia à autuada com o fim de que ela, querendo, apresentasse alegações finais (22.06.2004), forçoso reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente da pretensão punitiva da Administração. 4. Recurso de apelação conhecido e provido para, reconhecida a prescrição intercorrente, declarar a nulidade do procedimento administrativo, bem como das penalidades dele decorrentes. Invertidos os ônus da sucumbência. (TRF1 Numeração Única: 000480682.2007.4.01.3811 APELAÇÃO CÍVEL N. 2007.38.11.004824-7/MG Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES)
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO PARALISADO POR MAIS DE TRÊS ANOS. PRESCRIÇÃO. § 1º DO ART. 1º DA LEI 9.873/1999.1. Nos termos do § 1º do art. 1º da Lei 9.873/1999, incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho. 2. A pendência de julgamento ou despacho, para ser dirimida, requer a movimentação do feito, que importe em apuração do fato infracional, com a finalidade de se chegar à solução do processo administrativo. Meros atos de encaminhamento não se prestam a interromper a contagem do prazo prescricional (art. 2º da Lei 9.873/1999). Precedentes. 3. Apelação a que se nega provimento. (TRF1 APELAÇÃO CÍVEL N. 005973845.2013.4.01.9199/MT, Processo Orig.: 000030827.2008.8.11.0017, Desembargadora MARIA DO CARMO RELATORA CARDOSO
Ademais, a maioria dos estados utilizam as mesas regras da União, dispondo sobre as hipóteses de prescrição trienal e quinquenal, o que se recomenda o Estado da Bahia fazer, mediante decreto com disposições similares às acima citadas que já se aplicam aos processos administrativos ambientais federais e já são reconhecidas pela jurisprudência do STJ e STF.
Em resumo, da leitura das normas estaduais e federais, no cenário menos garantista para o cidadão, trazem o seguinte paradigma para os processos administrativos sancionadores ambientais na Bahia:
• O INEMA teria claro o prazo de 5 anos para lavrar o auto de infração ambiental a partir do cometimento da infração ambiental, salvo de a infração também constituir crime ambiental;
• Se a infração é permanente (a exemplo da infração de impedir a regeração de vegetação), o prazo prescricional somente começa a contar a partir da cessação da infração;
• Após a instauração do processo administrativo ambiental, o INEMA teria claro o prazo de 5 anos para apurar a infração e julgar o auto de infração ambiental, salvo de a infração também constituir crime ambiental;
• Quando a infração ambiental consitutir crime ambiental, o prazo prescricional poderá variar de 3 a 12 anos por aplicação do artigo 109 do Código Penal;
• Quando o processo administrativo ambiental ficar paralisado por 3 anos ou mais, pendente de julgamento ou despacho, incide a prescrição intercorrente trienal ou de 3 (três) anos, independente de qualquer outra cláusula e regra.
Isto é direito e o servidor que descumprir deve ser punido. Vale ressaltar que a Lei Federal nº. 13.689/19, denominada de Lei de Abuso de Autoridade, veda e considera crime as seguintes condutas:
Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado.
Diante disso, com base na a Lei Estadual na forma dos Art. 109 e 108, § 3°, da Lei Estadual nº. 109/11 10.431/06, Art. 192, 259, 263 e do Decreto Estadual nº. 10.024/12, Art. 259, Incontroverso, sob qualquer prisma jurídico, incidem a prescrição intercorrente, trienal, e a comum, quinquenal, no processo administrativo ambientalinfracional do Estado da Bahia,, decorrente da inércia da Administração Pública, que gera direito fundamental, líquido e certo, ao cancelamento, nulidade e arquivamento do auto de infração, que não pode ser homologado, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e criminal do servidor público e objetiva do estado, inclusive por danos materiais e morais.
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